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quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Inverno em Madison


O inverno chegou em Madison, Wisconsin. Por toda a parte ruas e telhados estao cobertos em neve. O corajoso que se arriscar a andar do lado de fora precisa se proteger contra dois males: (1) O terrivel frio. (2) Guerras de neve.

Se voce esteve acompanhando os jornais leu a noticia de que no dia 09 de janeiro cerca de 3,000 alunos da UW-Madison se reuniram para uma das maiores guerras de bola de neve ja vistas. Dormitorios competiram contra si, e trouxeram consigo baloes d’agua e outros equipamentos para melhor defender as trincheiras. Os ataques duraram 1 hora, com ocasionais feridos (cortes no rosto nao muito serios) levados aos hospitais proximos.

O que voce nao ficou sabendo, no entanto, eh que na noite do dia 08 de janeiro houve uma pre-guerra reunindo uma centena de adoslescentes. Eu estava la, e contarei a voce o que vi:

Nevava ha horas. Eu estivera observando vizinhos ao apartamento do Michael se divertirem do lado de fora com as camadas interminaveis de gelo em flocos que rapidamente formavam paredes brancas por toda a parte. Quando o Michael retornou ao apartamento foi necessario sair outra vez para comprar alguns mantimentos indispensaveis. Ele perguntou se eu queria ir com ele, e apos observar a vida la fora fui tomada pela curiosidade comum aos que nao gostam de se arriscar, mas de certo modo adorariam saber como eh passar por tao nova experiencia.

A maior parte das ruas estavam vazias. Motoristas nao se arriscariam a dirigir com toda aquela neve. Mais tarde naquela mesma noite vi um carro da policia deslizar de maneira perigosa, e entendi melhor por que Madison parecia tao vazia, quase inospita com uma temperatura tao feroz. Caminhamos por alguns minutos, ate o vento comecar a trazer gritos e urros comuns aos cenarios de batalha. Dificil entender o que diziam, mas entre uma palavra e outra ouvia-se “Corre!”, e mais gritos de temor e euforia.

Para a minha frustracao os meus oculos tinham flocos de neve derretendo nos vidros. Retirei-os do rosto diversas vezes numa tentativa de limpa-los, porem sem luvas consegui apenas congelar as minhas maos, que logo comecaram a ficar insensiveis. O meu humor, como voce pode imaginar, ja nao era dos melhores. Lutei por melhorar a minha visao a medida que nos aproximavamos da fonta dos gritos, e quando finalmente consegui enxergar melhor avistei centenas de pessoas separadas apenas por uma rua, o lado direito atacando o outro com muitas bolas de neve que cruzavam o ceu como estrelas que brilhavam com as luzes artificiais dos predios.

O Michael e eu seguimos por tras do lado esquerda da batalha. Ele trazia uma bola de neve apertada entre os dedos, “so por precaucao para nos defender”. Vi uma bola espatifar-se bem proxima ao meu pe direito. Pulei para o lado instintivamente, e tentei avistar a fonte do ataque – eu nao estava ali para guerrear, algo me impede de atirar ate mesmo bolas de neve; mas eu estava vulneravel.

Tentando encontrar quem havia mirado a massa inteira do lado esquedo, pela qual o Michael e eu passavamos, comecou a correr na nossa direcao. “Eu acho que o outro lado comecou a atacar!”, disse eu, puxando o braco do Michael. A sirene do carro da policia provou-me errada – a presenca da policia havia dispersado a todos numa euforia sem sentido. Ouvi alguem passar correndo proximo a mim perguntando se era contra a lei atirar bolas de neve.

O Michael olhou para mim, os olhos ligeiramente apertados com o gorro comprido demais. – Becca, corre!! – disse ele. Senti o fluxo de adrenalina percorrer as minhas pernas. Eu nao queria ter que sair correndo como se tivesse alguma culpa, mas nao era uma boa ideia estar no meio de uma “horda” descontrolada. “Ok”, respondi de volta, e ambos comecamos a correr em direcao ao supermercado ladeados por muitos alunos.

Voce ja tentou correr vestindo quatro camadas de roupa e um cachecol comprido? Fiz o possivel para manter o equilibrio, e segui em frente nao tao rapida quanto gostaria. O Michael estava ao meu lado esquerdo, poucos centimetros adiante.

Senti-me estranhamente calma. Por alguma razao que ninguem nem eu mesma compreendo sinto-me atraida por guerras, embora todos os meus tratos sejam os de quem foi criada como uma flor fragil. Talvez eu seja assim delicada e vulneravel, mas para desespero de todos sei que pertenco a um universo que em milhares de aspectos nao sao compativeis com a minha personalidade tranquila.

Eu nao estava entre todos aqueles alunos para lutar, e a ideia de atirar bolas de neve nao me entusiasmara como teria entusiasmado alguem nascido para a arte da guerra. Eu estava ali simplesmente para ver e sentir, e narrar a voces os fatos sob a visao de alguem que vivenciou tudo, porem nao se envolveu. Eu estava ali para socorrer Gregos e Troianos, e nao tomaria lados. As minhas maos estavam limpas.

-- Eu estou aqui para proteger voce – dissera o Michael, o bom e velho instinto protetor.

-- Nao preciso de protecao – disse eu, segura de que nada me ocorreria, embora o mundo ao meu redor sugerisse o contrario.

A correria parou, finalmente. O carro da policia continuou circulando por mais alguns minutos para garantir que a guerra de bolas de neve nao se tornaria uma brincadeira perigosa. Retornando para casa ainda ouvimos mais gritos, ate que o som da batalha que continuava foi abafado pela neve que caia, especie de efeito estufa que envolve a cidade inteira deixando-a estranhamente silenciosa.

No apartamento do Michael minhas vestes gotejavam a neve derretida. Meu rosto estava vermelho e ardido. Meu humor caia perigosamente. Mas, de certo modo, eu estava sarisfeita por ter me arriscado do lado de fora. Embora tivesse sido um grande e relativamente inocente jogo, a guerra tem muitas faces. Uma delas eu vi essa semana, sobrevivi, e narrei a voces com a voz de alguem que viu cometas brancos cortarem o ceu e acertarem gorros variados de cidadaos americanos.

Em alguns anos o chao que verei nao sera branco, e sim vermelho-vivo. Os projeteis cruzando o firmamento nao serao gelados, porem quentes, e mais velozes. Estarei pronta, de qualquer forma, e contarei a voces tudo o que ver, sentir, e ouvir.

…ate la.. feliz inverno, Wisconsin! E boas festas a voces, queridos brasileiros. Saudades imensas, vontade de voar ao sul.

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